FICA A PERGUNTA, O DESAFIO, O ACINTE, O QUE QUEIRA, TEM QUANTOS TEXTOS DESTES NOS BLOGS QUE TEMOS POR AI?
QUEM NÃO GOSTA DE UM TEXTO DESTE, TEM DE ESTAR LENDO NO MÍNIMO, FERNANDO PESSOA.
O FOGO DA SEGUNDA HORA
Um recitativo para a Páscoa.
Lá fora faz-se um fogo
novo [o Fogo da Segunda
Hora], que purifica antigas
sínteses, desestabiliza o que
se tornou triste e lava [como
que em água corrente] o coração
que sofre [os desvios os entraves
as serpentes], e deixa ficar o que é
suave.
[A hora de sorrir como filho
da vida e celebrar a Vinda
do Filho].
Aquele [fogo] que mostra [na
foto, dentro da moldura] onde
está tua mão [e a mão de quem
ela segura].
Hora de ensinar a ouvir [a que tem
ouvido] e, a quem tem fome, a pescar
[plantar e amassar o trigo, fazendo o
pão que se come].
Hora de se lembrar de Míram [mãe
de um bebê, e chorar de alegria pelo
nascimento], bendizer a gravidez e o
ritmo [e redescobrir a nona sinfonia
dentro do próprio ouvido].
Considerar que a consideração é fruto
bendito, de saber conjugar o verbo
iridescer [e reconhecer que a alma é
filamento a aquecer salas e aposentos].
Amarrar os cardarços para não cair [nem
tropeçar] nos próprios pés, hora de acender
o candelabro de sete braços, anunciar ventos
e marés [redescobrindo a bússola, o astrolábio,
a direção da Ursa Maior e do que é maior
que a Ursa].
Hora de parar de urrar de dor e ouvir a música
que canta por entre palmas brancas [e nas contas
dos rosários nas mãos das senhoras portuguesas].
Propiciar um intervalo às guerras [que seja um
epílogo ao espetáculo de fabricar inimigo].
Hora de esquecer cor e partido, compartilhar
pão e vinho, perfumes e óleos [e uma vintena
de livros].
Hora de ensinar a quem tem fome a plantar o
trigo [e recolher o trigo] e distribuir o trigo que
ninguém come [hora de acabar com o desperdício].
Hora de aproximar católicos e protestantes de
muçulmanos e budistas, ou daqueles que [mais
do que simplesmente] entenderam o recado de
Sócrates [de viver e morrer dignamente].
Hora de realimentar a lâmpada [com novo
azeite],
levantar a taça e brindar a vida [que graça
de graça sobre as impiedades expostas nas
praças dessas cidades].
Hora de trocar a lâmpada da sala-de-estar
por outra mais forte [de cem watts], de
descobrir a linha perdida da Sagrada
Escritura [aquela que é mal lembrada
e ninguém diz, pois esta é a mais
sagrada].
Olhar o fogo como Espírito Santo, aliado e
parceiro [soldado enfileirado ao lado da
cabeceira do quarto]; hora de ser mais
que hóspede no Templo Sagrado.
Aparar bigodes [afiar as navalhas,
para cortar qualquer pose de Lord
ou Czar], saber que somos todos do
mesmo molde [e pisamos um só lugar:
essa mesma terra de onde brotam as
mesmas fontes, onde não há espaço
para gangues e uniformes que servem
para afastar].
Hora das Vésperas [de recitar salmos e
sutras], de dobrar os joelhos, de santificar
o bem que pode advir de um acidente ou
dos erros, quando reconhecidos.
Hora de pedir um abraço denso ao irmão
[primo forasteiro inimigo], e de recobrir
antigas febres com atos gentis [e
posicionamentos célebres].
Hora de considerar que a fauna e flora
são nossas irmãs, de desimantar os ímãs
que agregaram limalhas [farpas, fiapos de
ferro enegrecido] e a falsa impressão de que
[ainda] somos canalhas.
Hora de esquecer a confusão e fazer calar o
que foi predito pela gralha [hora de reler
Edgar Alan Poe sem sobressalto, medo
ou antecipação].
Hora de realinhar a luz a um novo ângulo
de caminhada [não deixar que o fio de prumo
se incline mais do que quarenta e cinco graus
do que seria o rumo de Nosso Senhor, ou do
que é mais santo e justo].
Hora de aquilatar a fertilidade do húmus
e a beleza de seguir em paz pro túmulo,
sem fazer alarde.
Hora de reconhecer a prosa na poesia [e a poesia
na prosa], de acarinhar o ritmo das palavras em
direção ao que seja mais verdadeiro e íntimo,
de ver o que só viu o solitário [de garimpar o
diamante no meio do cascalho], de consultar o
dicionário [e acrescentar uma palavra sua, que
seja só uma ou uma só].
Hora de salvar a matéria prima do confisco
da mercadoria [de distinguir o falso do
legítimo], de fazer por merecer o bálsamo
[e validar o bom sacrifício de sacralizar
cada ofício], de anunciar aos amigos que
podem se ver livres dos vícios.
Hora de escolher um esmalte mais claro
[de discernir o som do estampido do
champagne do disparo do rifle], de
passar tratores sobre os fuzis,
desarmar mãos jovens em
gangues [e alimentar seus
pais que são pobres].
Hora de desocupar imóveis que jazem
sós, de remover a pedra sobre a lápide
[e anunciar que o jazigo está vazio e que
Ele já vive em nós], hora de deixar de ser
adepto [para ser santo], de se despedir do
filho com um beijo depois do almoço [de
vestir o capuz dos capuchinhos, as sandálias
de São Francisco, de esperar pássaros pousarem
nos ninhos e oferecer abrigo aos que vagam no
exílio].
Hora de discernir o cerne do brilho de superfície
[o foco do fogo fátuo, a unha do esmalte, a polidez
do verdadeiro brio], hora da seiva manter aceso o
verde no topo dos galhos [e nos altos ramos dos
ciprestes].
Hora de visitar quem ora no ermo [que é bom lugar
pra se orar], de desvendar o mistério que se aloja no
centro [no fulcro] da célula [sabendo que será só um
pedaço o que saberemos], hora de mapear os genes
do DNA, de proclamar a chegada de Isabelas felizes
[em tardes tão cálidas, nas primaveras e nas entradas
das portas], sorrindo nos peitoris das janelas [hora de
esperar a larva florescer e criar asas dentro das
crisálidas].
[Isabela Nardoni]
Hora de encontrar a cura para o Mal de Parkinson, de
distinguir o que é insólito [mas bom, inaugural e não-vulgar]
do que está na norma [mas não precisava estar], hora de
deixar de acrescentar adjetivos tentando salvar velhas
sintaxes [alquebradas, com prazos vencidos, que não
mais dizem nada e nada dizem mais].
Hora de enxugar o suor de todas as horas [e saber
esperar os netos que irão chegar, se Deus quiser],
de separar joio do trigo [memória do mito, o dito
do ignorado, a voz do padre do clamor do Infinito],
hora de adorar a Deus sem intermediários [nem
ídolos].
É hora de ler bons livros [sem ninguém mandar,
descobrir se é importante - e porque -, conhecer
a biblioteca de Borges], hora de lembrar da
mirrada [e desmedida] figura de dom Hélder,
de valorizarmos pontes [de entendermos os que
sabem transitar no diálogo entre crenças sem se
perder, pois se desvencilharam das más matrizes].
É hora de conceber os votos feitos por homens de
visão, e de valorizar os grandes mestres de cada
nação, hora de se lembrar de Kabir [ao mesmo
tempo muçulmano e hindu, santo e mendigo],
é hora de conceber os estigmas de Theresa
Neumann e de São Francisco [em seus
contextos].
É hora de saber que a febre é um estágio
preliminar do convalescer, algumas vezes,
[de aplacar a IRA dos irlandeses], de considerar
a possibilidade de Ed Motta cantar canções
[folclóricas] em frente a um pomar.
Lá fora faz-se um fogo novo [o Fogo da Segunda
Hora]. Mais do que a recitação de um credo: o
despertar de um fogo novo [e de um
ânimo apto para afugentar o
medo].
Um comentário:
Viu como sou rápida? Acabei de postar lá pela segunda vez e já estou aqui.
Esse poema é de tirar até Jesus da cruz! Como eu já o tinha impresso, vi que fez pequenas modificações.
Que só aumentaram a beleza do poema!
Mas repetindo Novaes, a inveja é verde e tem a língua vermelha e grossa.
Porque isso, não é amigo? Borges já está nos livros, mas Marcelo está aí e ninguém vê.
Pena mesmo!
Quase ninguém.
Beijos
Mirse
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