sábado, 31 de janeiro de 2009

SEGUE A BÍBLIA DO MOACY.


MOACY CIRNE


O LIVRO DOS LIVROS
(Parte 2)
Texto estabelecido a partir de manuscritos
que se encontram nas bibliotecas de
Cairo, Londres, Paris, Petrópolis, Caruaru e Caicó

O primeiro assassinato

Expulsos do Jardim do Seridó, Tonho e Mané das Cacimbas, filhos de Severino e Raimunda, igualmente expulsos, conheceram uma jovem e bela mulher, vinda de Guarabira, na Paraíba. E os dois por ela se apaixonaram. E quiseram conhecê-la biblicamente. Mas Expedita - a mulher em questão - só queria chumbregar com um deles. E os dois irmãos se estranharam.

Tonho disse então a Mané das Cacimbas: "Vamos para Boqueirão, em Parelhas. Quero que você veja um jogo do Centenário; essa terra ainda será a terra do futebol". Mas quando se aproximavam do açude, Tonho agrediu o irmão e o matou com uma pexeirada. O Senhor das Alturas, desconfiado, perguntou a Tonho: "Onde está teu irmão Mané das Cacimbas?" E ele respondeu: "Não sei. Acaso sou o pastorador de meu irmão?" "O que fizeste? - perguntou o Senhor das Alturas. - Ouço da terra a voz do sangue de teu irmão, clamando por vingança. Terá sido por causa de Expedita, aquela sirigaita, que você o matou?"

E o Senhor das Alturas condenou-o a passar 6 anos, 6 meses e 6 dias perambulando pelo sertão com os cabras de Lampião, fugindo dos macaco da capital e das onças pintadas da região. Tonho disse ao Senhor das Alturas: "O castigo é grande demais para suportá-lo. Não poderei simplesmente ir para mais longe, para os cafundós da Bahia, oh meu Rei?" O Senhor das Alturas gostou da ideia e disse: "Tudo bem. Quem sabe, um dia você acaba estrelando um filme de Glauber Rocha". Afastando-se da presença do Senhor das Alturas, Tonho foi morar em Vitória da Conquista, e lá conheceu Capitulina, casada com Joaquim Casmurraldo. Tonho e Capitulina se gostaram e fugiram para o interior de Pernambuco.

A humanidade se amplia

O Senhor das Alturas ficou indignado, mas preferiu não interferir ao ver que ela deu à luz a Pedro dos Papagaios. Tonho veio a construir uma cidade e lhe deu o nome de Petrolina, em homenagem a seu filho. Pedro dos Papagaios foi o pai de Mirador, Mirador de Abimael, Abimael de Matutosalém e Matutosalém de Riobaldo.

Riobaldo casou com quatro mulheres; uma se chamava Diadorinha, a segunda Estrela da Manhã, a terceira Iracema, a quarta Dualiba. O nome do irmão de Riobaldo era João Rosa, antepassado de todos os tocadores de rabeca e sanfona. Dualiba teve três filhos: Vaca Véia, artífice de todos os instrumentos de bronze e ferro; Bala Choca, forrozeiro e cantador de feira; e Ojuara, criador da literatura de sacanagem. Diadorinha e Estrela da Manhã abandonaram Riobaldo e preferiram se amigar, como se macho e fêmea fossem.

Severino, que deixara Raimunda, champrou muitas vezes a sua segunda mulher, por Esmeraldina conhecida. Ela deu à luz um filho, a quem chamou Sertão do Cariri. Severino já tinha 69 anos quando o gerou. E viveu mais 24 anos e gerou filhos e filhas, que se deliciavam com a chamegação entre si e com os vizinhos e vizinhas.

Sertão do Cariri tinha 33 anos quando gerou Jorge Fernando. Viveu mais 87 anos e gerou filhos e filhas, que foram povoar a Paraíba, o Ceará, o Piauí e Mossoró. Morreu ao ser atacado e devorado por uma onça pintada das mais brabas.

Jorge Fernando gerou José Bezerrão. Tinha 27 anos, então. Viveu mais 53 anos e gerou filhos e filhas, entre os quais Zé Areia Preta, Zilah Medina, Luís Carlos do Curral Novo, Miriam Celeste, Miguel Ciríaco, Sanderson Fabulário, Menandro Casto, Sandra Sandrix, Paulo de Bartola, Jarbas Angicos, Jenildo dos Pampas, Milton Costa, Alta Solta e Americana Marize de Macedo. Todos se amigaram com homens e mulheres da Paraíba e Pernambuco, e geraram muitos filhos e filhas, que viviam em paz e harmonia, na maior felicidade, no mais doce dos chumbregamentos. Os próprios animais, selvagens e não-selvagens, viviam para procriar.

E o Senhor das Alturas, indiferente, além de chateado com aquela eternidade sem princípio e sem fim, só cubava. E o Senhor das Alturas disse: "Meu espírito, já deu para perceber, não ficará para sempre no Homem, porque ele é apenas carne. E o homem não viverá mais do que 120 anos". Dito isso, foi jogar baralho com seu amigo Luisinho Ciferino.

Os anos se sucederam e o Senhor das Alturas, então induzido pelos fanáticos da Igreja Universal do Reino do Diabo, passou a ver pecado onde pecado não existia, passou a ver maldade onde maldade não existia. E o Senhor das Alturas viu o quanto tinha crescido os contatos carnais entre os seres da terra, sequidores que eram dos primeiros habitantes que tinham lido, ainda em Jardim do Seridó, os livros de sua inestimável Biblioteca de Babel.

E o Senhor das Alturas ficou puto da vida. E o Senhor das Alturas se fez vingativo. E o Senhor das Alturas se fez cruel. E o Senhor das Alturas se fez terrível.

Continua
Próximo capítulo:
O dilúvio e a jangada gigante do Mestre Cascudinho

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A BÍBLIA, MELHORADA.


MOACY CIRNE


O LIVRO DOS LIVROS (1)
Texto estabelecido por
Fausto Simak da Cunha Azevedo
& Zamagna Borges de Azevedo Bouzon,
com revisão teológica de
Mateus Skrzypczak de Macedo

A origem de tudo

No princípio o Senhor das Alturas criou Caicó e as cidades vizinhas. O rio Seridó estava seco e as trevas cobriam o açude Itans e todo o mundo.

O Senhor das Alturas disse: "Faça-se uma luz da gota serena". E a luz da gota serena se fez. O Senhor das Alturas viu que a luz era boa e Caicó e o mundo se iluminaram, com seus dias e suas noites.

O Senhor das Alturas disse: "Faça-se um firmamento, e se façam a Serra de Mulungu, o açude Gargalheiras, o Poço da Moça, o Poço da Bonita, o Poço de Santana, o sítio Caatinga Grande e a minha Biblioteca de Babel". E assim se fizeram.

E o Senhor das Alturas disse: "Façam-se o sol, a lua, os planetas, a Serra do Doutor, a Serra da Borborema, Natal, Olinda, Martins, Galinhos, Macaíba, Angicos, Santana do Matos, Catolé do Rocha, Recife, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Porto Alegre, Ouro Preto, Paris, Lisboa, Luanda e o Fla-Flu". E assim se fez.

E o Senhor das Alturas fez brotar do sertão e das outras terras toda espécie de animais e de árvores com seus frutos atraentes e saborosos: mangas e mangabas, cajus e cajás, pinhas e maçãs, carambolas e maracujás. E o Senhor das Alturas fez mais: criou a canjica, a pamonha, a tapioca, o doce de leite e o pé-de-moleque. E àquele lugar em particular, nas veredas do grande sertão, o Senhor das Alturas deu o nome de Jardim do Seridó. E o Senhor das Alturas gostou do que fez. E o Senhor das Alturas gostou do que por Ele foi criado.

A origem da humanidade

O Senhor das Alturas, sentindo-se depois entediado, formou o Homem da gala da terra e deu-lhe o nome de Severino. E o Senhor das Alturas vendo que o Homem sentia-se solitário e deprimido resolveu criar uma companheira para ele. E do vento das 5 horas da tarde criou a Mulher e deu-lhe o nome de Raimunda. Ambos estavam nus, o homem e a mulher, mas não se envergonhavam.

E o Senhor das Alturas disse: "Vocês tudo podem, só não podem conhecer como funcionam as leis físicas, matemáticas, filosóficas, literárias e biológicas do Universo; ignorem, pois, a minha Biblioteca". Dito isso, foi descansar, depois de almoçar carne-de-sol com macaxeira, feijão de corda, arroz de leite e manteiga do sertão, com direito a três lapadas da cachaça Samanaú.

Severino e Raimunda, vendo que o Senhor das Alturas fora descansar longe dos dois, na Serra de São Bernardo, resolveram, em noite de luar às margens do rio Seridó, se aprofundar em seus contatos físicos, ao som da flauta de Carlos Zens. E viram que era bom. E viram que um e outro podiam se encaixar várias e várias vezes. E viram que era ótimo. E quiseram mais: quiseram conhecer como funcionavam as leis do Universo.

E o Senhor das Alturas, depois de uma soneca que durou mais de 13 anos, não gostou do que viu: Severino, Raimunda e seus dois filhos discutiam as teorias e contrateorias de Platão, Aristóteles, santo Agostinho, Ibn Khaldun, Spinoza, Kant, Marx, Nietzsche, Freud, Einstein, Sartre, Foucault e Chico Doido de Caicó. E outras coisas discutiam. E outras coisas faziam.

E o Senhor das Alturas disse: "Quem domina o conhecimento, domina a essência das coisas. Só eu poderia fazê-lo". E o Senhor das Alturas, raivoso, expulsou-os do Jardim do Seridó, para cultivarem o solo seco do sertão. E o Senhor das Alturas disse: "A partir de hoje não poderão mais consultar a minha Biblioteca de Babel". E o Senhor das Alturas colocou diante do Jardim os seus coronéis do interior, para que o mesmo não fosse invadido pelos sem-terra e sem-moradia, representados por Severino, Raimunda e os dois filhos.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

BUTOH

BUTOH


MARCELO NOVAES




Puxa o caixão,
segura uma das alças
do caixão do teu pai,
com a cara branca
esbranquiçada.




Não pode haver
resmungo, quando
lhe cobre um uivo
mudo, gelado.




Um uivo surdo que
só se ouve tocando
o branco do rosto,
com dedos do
afeto.




Pra se ouvir esse uivo
que uiva pra dentro,
há de se fazer uma
antologia do
sentimento.




É só pra isso que
existem olhos e
ouvidos.




Pra se ver o rosto
branco, de quem
carrega o caixão
paterno.




Ou para assistir
Kazuo Ono, no teatro,
no primeiro assento.

sábado, 24 de janeiro de 2009

MANUEL BANDEIRA À MANUEL BANDEIRA.



Testamento

Manuel Bandeira


O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O BLOG NÃO JUSTIFICA O POEMA, O POEMA NÃO JUSTIFICA O BLOG.



a rua
o casario
a ladeira
o espelho dágua
a baia de Guanabara


SE O CARA ESCREVER UMA COISA DESSAS E DISSER: ASSINA EMBAIXO, QUE TE DOU A AUTORIA, EU NÃO ASSINARIA POR VERGONHA. NÃO POR TER UMA REPUTAÇÃO A ZELAR, NÃO SEI ESCREVER POEMAS, TAMPOUCO CONHEÇO MINHA LÍNGUA COMO DEVERIA, MAS LI ALGUNS BONS LIVROS E NUNCA FUI BURRO. O CASO É QUE SAIU ESSA PÉROLA NO BLOG DE QUEM ESTÁ MUITO ACIMA DEMIM, EM INTELIGÊNCIA E CONHECIMENTOS DE LÍNGUA. O INCRÍVEL É QUE LOGO OS COMENTÁRIOS (8) AFAVOR ME DEIXARAM PERPLEXOS, COMO PODE PESSOAS CULTAS ELOGIAREM UM TEXTO DESSES?
POSTEI NOS COMENTÁRIOS DO BLOG, UM POEMA DE MARCELO NOVAES, CUJO TÍTULO ERA "O CONTADOR DO TEMPO" E NÃO HOUVE NEM UM ENTUSIASTA DO POEMA, COLOCO ASEGUIR O TEL POEMA:



O Contador do Tempo
Para Guimarães Rosa





MARCELO NOVAES
















Eu estou sempre na grande escadaria.
Eu estou no barco de pau a pique, entre
as duas margens do Rio Pardo. Eu não
sou quente. Eu não sou frio. Eu aguardo.










Viro um copo de aguardente - num só
trago -, e te meço, de cima a baixo. Eu
não estou no topo, mas no meio. Não sou
vesgo, não sou torto. Nem, tampouco, feio.
Aciono teu medo por controle remoto, pois
já descobri o jeito.









Maneira estranha de estar no mundo, na
grande escada: distribuindo ervas e guirlandas.
Apontando estradas. Sempre com nova postura.
Muitas vezes, no agachado. Mas agora de pé, onde
me equilibro. Forte. Rijo. Forte demais pra pretender
só uma das margens do rio.











De onde estou - bem no meio -, eu reúno as duas.
Eu miro as margens, e as possuo. Comparo os passos
dos que passeiam dos dois lados. Conto sombras e
grãos de areia. Antecipo as correntes do rio com
meus olhos de vidro. Frios. Azuis.Um azul anil.











Se me olhar, de repente – à tua esquerda, nunca à tua
frente -, saiba: eu assobio. E acordo uma memória que
dormia em tua mente.











Eu estou sempre na grande escadaria. Não sou morno,
não sou quente. Pesadelo ou fantasmagoria. Não estou
no topo, mas no meio. E sei contar o tempo. Sem perder
segundo. E do rio - bem do seu meio -, eu sei o mundo.



NÃO HÁ O QUE COMENTAR, SE ALGUM SER HUMANO ACHA O POEMA DO BLOG DO ANTONIO CÍCERO, LINDO, E NÃO TEM NADA A DIZER SOBRE O POEMA DE MARCELO NOVAES, NÃO HÁ MUITO QUE EU POSSA FAZER, A NÃO SER VIR AQUI E LAMENTAR.
PARA MIM, E MUITO VALE MINHA OPINIÃO SOBRE AS COISAS (NÃO DIGO QUE GOSTO DE UMA COISA SÓ PORQUE FOI FULANO QUE ESCREVEU, SÓ PORQUE FOI NO BLOG DO CÍCERO) O QUE BOM É BOM, SEJA NO BLOG DE UM CARA COMO EU, ILETRADO, O RUIM É RUIM, MESMO QUE POSTADO POR ANTÔNIO CÍCERO, CULTO, INTELIGENTE.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

ANCORADOURO

ANCORADOURO




MARCELO NOVAES




Sua sombra batendo seus passos
e desembarcando, sem propósito,
na praça central do
mercado.



E ele que já fora o bardo, o poeta,
o homem nu na planície vermelha,
agora mais da metade veias lombo
punhal metal
prateado.



Quase metade olhos de viuvez,
outra maior metade,
orfandade.




Bigode grisalho e barba,
cobertor de estopa, que
é também agasalho,




quase metade calor sarjeta
- faça chuva ou faça sol -,
a maior metade longe,
túmulo rosário contas
Portugal.




Velho marinheiro aposentado,
mais da metade inválido
solidão súplica com boca
fechada,




terra até o calcanhar areia
cheiro de bacalhau, meio casca
grossa, meio lascado pelo sol e
pelos pesadelos.




Poucas vezes lançando seus
gritos na planície vermelha
- quando está só -, com um
toco de cigarro aceso entre
os dedos
sujos.




Velho marinheiro magro
com seu cotovelo ossudo
fumando nos degraus da
igreja do hospital, nas
soleiras das casas, na
penumbra do outono,
sem saber o caminho
de volta
ao mar,




com dois pés no sonho,
pisando hastes de trigo
seco - ou
joio -,




quer seja ali chão de
pedra ou
cimento,




com olhos fixos num
pássaro marinho,




meio mareado meio
flutuando, meio perdido no trajeto
curvo das gaivotas e das aves todas,




lembrando do velho santo de madeira
do pau oco e do profeta de gesso
ou pedra do Aleijadinho.




Na mão, o saco de estopa, na testa
as veias em alto relevo,




uns poucos versos na memória
e a ficção que hoje é a voz dela,
a sereia.




Aquele verão não durou,
o tempo foi traiçoieiro meio
tanto meio tarde meio lento,
avançando na água e enchendo
a canoa d'água - a propósito, pela
metade -, de água verde prateada.




A âncora enferrujando ao
fundo do mar salgado,




os dedos amarelos de ferrugem
e pelo fumo picado, enferrujando,
a proa singrando o mar anacrônico
meio tarde meio cedo meio além
-do-tempo-do-mar-sem-tempo,




a proa do barco singrando a imensidão
da paz ondulante excessiva celeste e um
carrilhão de nuvens.




A boca vincada, os olhos
remelentos e insones,




os versos imorais pesados,
como os de Charles Bukowski,




o toco de cigarro na mão, a luz salgada,
o hálito triste e lascado por dentes
cariados,




a fronte quebrada e alquebrada no frio
dos batentes das portas e esquadrios
das janelas fechadas,




olhos amarelos
como os de um
leopardo,




um fiapo de voz antes do grito vermelho,
ócio e caminhadas na voz quase apagada
ao entardecer ao enegrecer ao amarelecer
do tempo,




fiapos de voz na arrebentação vespertina
das velhas ondas e na maresia presa no
olfato e na garganta,




fiapos de voz um só fiapo no tombo e na
queda seca,




fiapos de voz nas costas encurvadas nas
marés baixas no
ancoradouro.




Fiapos de voz na onda negra e na planície
vermelha,



versos rezas ao anoitecer ao entardecer e
nas manhãs frias de lamúrias veladas pela
ventania.




Saudade da paz dos grilos sob a trovoada
gigante,




do punho cerrado de Deus contra os homens
e de seu punho cerrado clamando a Deus na
planície vermelha,




agora sem poder acreditar arquejante trêmulo,
cinquenta e poucos anos de versos e genuflexão
de joelhos dobrados e se dissolvendo em ternura
& sal,



e sem poder acreditar no céu rabiscado na chuva
encharcando os ossos, sem poder acreditar na
chuva prateada e na tristeza como personagem
principal.




Cinquenta e poucos anos tão mal gastos e
sem poder acreditar nos ventos mornos
no pólen no caminho de volta pra aldeia,
sem poder acreditar no mar sem areia e
no pássaro sem
ar,




cinquenta e poucos anos sem poder
acreditar no verbo, mas mesmo assim rezando
recitando e rezando recitando e rezando versos
de marinheiro de louco de ébrio de velho-que
-vale-pouco-porque-quase-morto,
na extensão da interminável
planície,



sem poder acreditar nas tantas
cicatrizes,




na inocência e na passagem do
tempo,



nos fetos e nos rebentos que não
vingaram,




sem poder acreditar no poente,
no sonho abatido a machadadas,




sem poder acreditar nas derrotas
do comissário e do almirante, no
tempo que passou sem avisar,
de tão lento, nas pedras do
tabuleiro, na conclusão do
jogo, no fim do amor.





Sem poder crer na face coberta de
uivos,



nos musgos do mar & moluscos,
na solidão das algas & dos corais,




sem poder crer na imperturbabilidade
das pedras e na mudez da música que
se desfez, na fábula que se desfaz, sul
-cando as ondas,





com seus cabelos despenteados pelo
vento, como Heitor ou como Homero,
como um remo de madeira cortado ao
meio,





como garça que se parte num vôo ou
como pintura
chinesa,





meio mínimo demais meio aranha sem
três patas, meio espectro meio roxo meio
véu rasgado, velho macilento e marinheiro,
mas meio camponês sem achar o seu chapéu
de palha,





meio cego meio coxo meio eletrificado meio
perdido meio morto meio cambaleando
molhado & torto & meio trêmulo &
torturado em seu ferido orgulho
de soldado-do-mar-sem-lar,





examinando os danos nas pastagens secas,
os lagartos deitados nas sombras, os ratos
da planície, sem poder acreditar nos braços
flácidos,




na fome na velhice no temporal no xale de
flores & nas lágrimas de
sal,





nos bulbos ressecados das plantas de ontem,
na aspereza lisa das conchas do mar, na febre
e na voz que se esconde na nervura da folha
que se esquece ao longe, na carroça
abandonada, no cavalo que morreu
de peste e no poste que tombou,
apagando as lâmpadas & luzes,
em meio aos ciprestes.





Sem poder crer na lua minguando num céu
envernizado de
preto,



nas manchas do leopardo,
num gatinho perdido no meio
do capim alto, soluçando soluçando
& soluçando.




Cinquenta e poucos anos e sem poder
acreditar no calhamaço de notas sem
valor, nos lustres na balaustrada nos
homens ilustres, no porto no ancora
-douro, meio tolo meio falso meio fa
-ke meio freak meio foda meio intei
-ro desgraçado e, por isso mesmo,
pela metade,




mas por isso mesmo com vontade

de morrer mais que tudo no branco
harmonioso do nada do esquecimento,
no silêncio ermo de um precipício
de água sem princípio, morrer no
Início da
Criação,





morrer de bruços num mar de brumas
sob um céu sem pátria num poente cor
de rosa e sem princípio, morrer pelo resto
de sua vida sem dor sem alarde sem saudade
sem ninguém a lhe zumbir no ouvido canções
de répteis,



morrer sem ninguém na solidão da planície,

trocando a pena de viver pela pena de um
corvo, num verso de Edgar Allan Poe.

sábado, 17 de janeiro de 2009

MOACY CIRNE

FIZ UM COMENTÁRIO NO BLOG DE HERCÍLIA, QUE A POETA TOMOU POR UMA LEVE CRÍTICA, NÃO ERA, EU DE FATO TENHO MUITO INTERESSE NOS POETAS CONCRETOS, E NENHUM NOS POEMAS DELES. LÓGICO QUE ISSO SE DÁ COM TODO MUNDO, QUEM LÊ CAETANO VELOSO FALANDO DOS CONCRETOS, SOBRETUDO DOS IRMÃOS CAMPOS, FICA DESLUMBRADO PELAS FIGURAS, AI VOCÊ PROCURA ALGO SOBRE OS TAIS SUJEITOS E VENDO ELES FALANDO DE POESIA FICA MAIS FÃ AINDA. O PROBLEMA É QUANDO EU LEIO O QUE ELES ESCREVEM E DIZEM SER POESIA, E EU SEI QUE É, MAS MINHA RELAÇÃO COM A LÍNGUA É MUITO DESLEIXADA, ENTÃO FICO IGUAL A QUANDO ALGUÉM CHAMA JOÃO GILBERTO DE GÊNIO: CONCORDO POR OBRIGAÇÃO, PARA NÃO PARECER IDIOTA, SE BEM QUE ISSO NUNCA ACONTECEU DE FATO, AS PESSOAS COM AS QUAIS CONVIVO, ACHAM JOÃO GILBERTO UMA BESTA À POTÊNCIA DE 5000, NÃO CHEGO A TANTO, APENAS NÃO ACHO ELE UM GÊNIO E PRONTO.
NÃO ENTENDO DE MÚSICA, NÃO VOU DIZER QUE JOÃO É MEU ÍDOLO SÓ PORQUE É BACANA DIZER ISSO, E VOU ALÉM, NÃO SAIRIA DE MINHA CASA PARA VER UM SHOW DELE. CLARO QUE IGNORÂNCIA NÃO É COISA PARA SE VANGLORIAR, MAS NÃO VOU OLHAR PARA UM QUADRO DE PICASSO E DIZER: QUE COISA LINDA! SEM ACHAR LINDO, NEM MESMO BONITO, NÃO QUE NÃO SEJA, APENAS NÃO DISPONHO DOS MECANISMOS DE RECONHECIMENTO DO QUE SEJA BELO EM ARTES PLÁSTICAS.
COMO NÃO CHORARIA ESCUTANDO MOZART, COISA QUE JÁ FIZ VÁRIAS VEZES ESCUTANDO ROBERTO CARLOS, CHICO BUARQUE, E MAIS AINDA LUIZ GONZAGA.
NÃO LI TODO OS SERTÕES, DO EUCLIDES DA CUNHA, PORQUE ACHEI UM SACO, NUNCA FUI COM A LITERATURA DE DRUMMOND, JORGE AMADO É LIXO, PAULO FRANCIS SÓ PRESTOU DEPOIS QUE MORREU, MAINARDI É MUITO MELHOR, SHAKESPEARE É AINDA MAIS DO QUE BLOOM FALA, JOÃO É O POETA MAIOR, TODA RELIGIÃO É CÍNICA, LULA NÃO CHEGA AOS PÉS DE FHC, MARCELO NOVAES É O MELHOR DOS ATUAIS, O VASCO AINDA É O TIME DA VIRADA, O TIME DO AMOR, ROMÁRIO É O CARA, ASTAIRE SOME DIANTE DE JACKSON, A ESQUERDA DO BRASIL É RIDÍCULA, TELEVISÃO É COISA PARA RETARDADO, E MUITO MAIS EU DIRIA SE JÁ NÃO SENTISSE UM CERTO TÉDIO, SE O MEU RIGOR PARA COM AS BOBAGENS ALHEIAS, NÃO ME SERVISSE PARA EVITAR TEXTOS INÚTEIS E VAZIOS COMO ESTE.
O QUE QUERO DIZER É QUE O TAL COMENTÁRIO NO BLOG DE HERCÍLIA, FOI FEITO APÓS UM COMENTÁRIO ELOGIOSO, DO SENHOR MOACIR CIRNE, À POESIA CONCRETA, E QUE PENSEI AO LER O ELOGIO DE UM HOMEM QUE ESCREVE SOBRE HISTÓRIA EM QUADRINHOS: ESSE É MAIS UM DAQUELES INSUPORTÁVEIS SERES QUE ACHAM QUE A HUMANIDADE SE ENCONTRA ALGUNS METROS ABAIXO. VOU AO MEU BLOG E VEJO UM COMENTÁRIO DO SENHOR MOACIR, E POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, ERA ELOGIOSO.
SÓ EXISTEM DOIS TIPOS DE HOMENS, NÃO MAIS, SÃO SÓ DOIS: OS QUE ADORAM SER ELOGIADOS, E OS QUE RASGAM DINHEIRO.
PODE-SE DIZER O QUE FOR DE MIM, MAS NUNCA RASGUEI DINHEIRO.
MOACIR, GRANDE MOACIR, GERALMENTE QUEM ME ELOGIA SÃO PESSOAS MAIS NOVAS DO QUE EU, AO SER ELOGIADO POR VOCÊ, MAIS VELHO, MAIS GABARITADO, QUE DEVE TER GOSTADO MAIS DA MANEIRA APAIXONADA E SINCERA COM QUE DEFENDO O QUE GOSTO, DO QUE COM O CONTEÚDO, FIQUEI ORGULHOSO, SATISFEITO.
UM GRANDE ABRAÇO DE QUEM NÃO CONSIDERA LULA UM IMBECIL, COMO NÃO CONSIDERA DRUMMOND UM MEDÍOCRE, MAS SABE QUE NELSON RODRIGUES ESTAVA CERTO AO DIZER: "SEM PAIXÃO NÃO SE CHUPA NEM UM CHICA-BON"